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Caminho Livre para a inclusão do Deficiente Visual

 

O poder da bengala branca

Publicado em 07/08/2011 por Marly Solanowski em Discutindo a Deficiência com 5 comentários

Ainda me considerando inexperiente com a bengala branca começo agora a observar sua utilidade, o que ela provoca e o auxílio inestimável que ela dá para uma pessoa como eu, com cegueira total e ainda sem mobilidade externa, fora de minha moradia.

Em princípio comecei a perceber minha acessibilidade quando iniciei um curso de introdução à Informática que me deu esperanças de sair do isolamento em que me encontrava, pois ainda tendo audição, só podia chegar aos programas de rádio e televisão a partir dela.

Acostumada que estava com os livros, foi para mim uma grande perda não poder pegar um livro na mão e dialogar com os grandes escritores, aqueles que nos trazem novos pensamentos, novas idéias, novas sensações sejam de prazer ou dor, experiências estéticas específicas da literatura e que vêm para nós, a partir da criação artística, da grande arte de reconstruir o conhecimento do mundo a partir das palavras.

Pude perceber então, pela digitação no computador e pela entrada ainda como iniciante na internet, que um novo mundo se abria. Sabia de antemão que há grande diferença entre ler ou ouvir uma obra seja por programa sintético de voz, seja por interpretação de uma boa locução.

No entanto, essas duas últimas formas me salvariam no sentido de reencontrar ou mesmo pesquisar novos autores para continuar minha jornada, agora, em companhia deles a partir da voz.

Foi nesse mesmo curso que tendo a oportunidade de uma entrevista com profissional habilitado em mobilidade, Professor João Filipe, que cheguei a ter nas mãos uma bengala branca, do tamanho adequado à minha altura e que por várias circunstâncias de vida não pude ter o aprendizado necessário para sua utilização.

Curioso que na semana em que cheguei com ela no curso de informática, tendo ao meu lado o companheiro que me levava até o computador, recebi do professor William, na hora do cafezinho, a seguinte observação: olha, do jeito que você está segurando sua bengala, tudo leva a crer que você se acostumará rapidamente com ela, pois parece que ela já faz parte, há tempos do seu cotidiano.

Aquilo me deixou curiosa, pois naquele momento não entendi bem essa observação. Ao longo do tempo, fui prestando atenção quando conversas sobre a bengala apareciam espontaneamente. Fui percebendo então, que as pessoas com deficiência visual manifestam várias reações em relação a ela.

Reações de brincadeira, de medo, mesmo de rejeição, por motivo de preconceitos já firmados em nossa cultura, criados talvez inconscientemente e interpretados como sinônimo de velhice, fraqueza, diminuição da própria imagem perante os outros, etc

Fui também percebendo com a utilização da bengala branca, aparentemente representando um símbolo até certo ponto preconceituoso, hoje para mim torna-se um símbolo e uma prática de independência, de mobilidade maior, de preservação de minha postura de corpo evitando problemas de coluna, mantendo minha postura ereta e me dando ao mesmo tempo, a sensação que sua ponta colocada no chão, representa não só a extensão do meu braço, mas é como se minha mão pudesse apalpar os espaços com a sensibilidade de um toque.

É ela que me permite sensibilizar barreiras que me provocariam acidentes físicos, é ela que me dá segurança para andar e aumentar minha percepção em relação ao que acontece nos espaços. Foi ela que me fez descobrir numa ocasião em que mudei de moradia, omde a maioria dos cômodos quase que vazios e quase sem barreiras, deu-me a oportunidade de uma sensibilização espacial que ainda não havia acontecido.

Qual não foi a minha surpresa quando descobri nesses espaços da casa e com o auxílio da bengala, algo que para mim se evidenciou como a essência de sua utilização: percebi que a bengala é também adepta da geometria, ou seja, ela sempre toca com sua ponta, linhas retas, linhas curvas e suas subdivisões. Nada mais com seu toque ela encontra, além dessas linhas.

Ora, pensando que tudo depende de retas e de curvas, isto não só acontece com o toque da bengala no chão que esquadrinha espaços e nos dá informações, como também acontece com tudo que estiver nas laterais da moradia, sejam paredes, teto, pisos, etc.

Está claro que também percebi, que só deveria utilizar a bengala, nas retas e curvas que vão ladeando o chão ou piso e usá-la, sempre à minha frente para evitar possíveis barreiras, uma vez que em família não existe vidente que não desloque os móveis e objetos que nos desafiam a atenção e fazem com que nosso treinamento seja Constante, caso contrário... acidente à vista! No entanto é também minha função a de nunca levantar a bengala a fim de evitar possíveis acidentes com os outros.

Sem pretensão de que minha iniciação com a bengala deva ser igual para pessoas com deficiência, foi com essa oportunidade de estar sozinha, que pude sensibilizar o espaço da nova moradia, podendo durante alguns dias desafiar minhas inseguranças e o medo que a cegueira provoca quando chegamos num local desconhecido e quando vêm aqueles pensamentos: e agora como vai ser minha mobilidade aí? Fisicamente o que poderá me acontecer?

Com essa pequena experiência e deixando a família de cabelo em pé, por estar sozinha nessa nova casa, um sobradinho com lances de escadas, descobri uma nova possibilidade: a de que poderia dali em diante sensibilizar qualquer ambiente, que começava a esquadrinhar toda a casa com o auxílio da bengala, que a segurança aumentava e que, se isso acontecia dentro de minha moradia onde agora muitas vezes perco a memória e não sei onde deixo a dita cuja, aprendi também que com ela estou habilitada agora, para um curso de mobilidade que me levará com certeza a ter uma maior independência nas ruas de uma paulicéia, cada vez mais desvairada, como assim a chamou um dia o nosso querido escritor de Macunaíma, Mário de Andrade.


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5 Comentários

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Irene Poeta disse em:

12/08/2011 - 20:37:49

Olá pessoal!

Que texto maravilhoso, Marly! Eu sou suspeita em falar porque gosto muito da maneira que você escreve.
Esse texto em especial nos remete aos primeiros dias do uso da bengala, qual a nossa reação diante de um fato convreto de que algo está mudando e não há como escapar.

Os conflitos que muitos têm em fazer uso desta acaba se tornando como bem você mesma relata, nossa companeira e nossa parceira no caminho pra independência.

Parabéns por ter coragem de se colocar, de se expor, assim você contribui para aqueles que se recusam a usar essa ferramenta.

Abraço a todos


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julio césar Belo Horizonte MG disse em:

16/08/2011 - 11:57:29

Olá, amigos!
Muito bom,achei excelente, a maneira como foi descrita esta experiênçia pela Marli.
Lendo o texto, fui me identificando com algumas situações, pensamentos, receios, medos, etc.

Pois, faz pouco tempo que fiquei ceguinho, e estou descobrindo, assim como a maioria dos amigos internautas, o poder da bengala branca. e para as pessoas que pensam que não é possível, haver amizade entre o sexo masculino e feminino, estou aquí para provar que não é verdade, pois a minha melhor amiga tem nome e sobrenome, e se chama bengala branca!

Um abraço a todos,e estou conectado no movimento livre,

julio césar.


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rosa rezende disse em:

01/10/2011 - 09:22:36

Olá pessoal, vendo bengalas de fibra de carbono.
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Falar con aldo.
Obrigada


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cristiane pereira lima disse em:

22/03/2012 - 16:43:37

eu achei o artigo da bengala branca muito bom eu me identifiquei com a história e hoje eu passo pelo mesmo e hoje vejo que a bengala me trouxe segurança ,autonomia ,ela se tornou os meus olhos e hoje eu estou muito feliz de poder ter algo como a bengala que me proporciona uma vida melhor e me abre portas em onde quer que eu esteja as pessoas me veem como deficiente visual e respeitam mais .


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Kelly Cristina disse em:

25/07/2012 - 11:27:30

Nossa!!! esse artigo foi como um poxão de orelha pra eu pois, não uso nem nunca usei bengala, sou cega total mas, nunca tive coragen de usar bengala.



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